Orgasmo Audiovisual - Pílulas: Frederico Fellini

Quando era necessário executar uma grande tarefa, difícil, arriscada, o homem paleolítico primeiro a desenhava na parede de uma caverna, na areia da praia, no casco de uma árvore, formando uma seqüência de imagens que lhe demonstravam a sua capacidade. Talvez após experienciar esse ritual, ele obtivesse sucesso em sua tarefa, matasse o tigre dentes de sabre, roubasse a garota loira de bons quadris de uma outra tribo, alvejasse até a morte aquele que o insultou, mas talvez não, talvez ele morresse. Porém, morria como um indivíduo certo da capacidade de vencer. Hoje em dia, você pode experienciar esse mesmo ritual com um filme num cinema, o novo templo escuro, fechado, e sair em busca de demonstrar as suas capacidades. Apesar de muitos só usarem essa ferramenta como uma forma de alienação, obtendo os sentimentos de sucesso, sem a responsabilidade da ação, outros sabem muito bem o que têm em suas mãos. E tal ferramenta não se limita só ao mundo do concreto, não se limita só ao mito do herói como foi apontado por Joseph Campbell, mas também pode ser uma porta para o mundo de sonhos, de possibilidades impossíveis, tornadas, assim, possíveis e concretas.


Frederico Fellini foi um homem que sabia das possibilidades da ferramenta cinematográfica. Seus filmes a começar pela Dolce Vita eram uma trajetória de auto-descobrimento, um ritual a revelar todas as suas capacidades interiores e a confrontá-las com seus desejos. Tento como seu avatar Marcello Mastroianni, Fellini ritualizava a história de um homem, não numa trajetória para se tornar um herói, mas sim numa trajetória perdida, sem direção, pelos paradigmas da realidade, quebrando-os um a um, a seguir pelas noites de Roma, ou se desorientar pelo interior da Itália. Um homem que amava as mulheres, queria só a sua ao seu lado, mas não conseguia abdicar do prazer das outras. Um homem que queria transbordar de arte, mas constantemente se punha em luta contra as limitações comerciais. Um homem que via o mundo ao seu redor como um sonho, cheio de extravagâncias e incógnitas, e queria dividir essa sua verdade com os outros. Abrindo dessa forma para os seus espectadores um ritual em que seus sonhos mais complexos poderiam enfim serem naturalizados. Abrindo a possibilidade de sonhos muito mais complexos.

O homem não precisa mais só ritualizar sua busca pela carcaça de um mamute, ou pela garota de bons quadris, ele agora pode buscar a lua dentro de um armazém, ou uma sala com os orgasmos de todas as mulheres que já consumiu, ou uma dança com uma mulher de madeira.

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