Buster, Charles e as Mulheres

O sério e o palhaço. Um vê o mundo como é, o outro, tenta ver algo mais. Um nunca sorri e consegue tudo, o outro, sempre sorri e acaba sozinho. Os filmes de Buster Keaton e de Charles Chaplin mostram duas visões de vida opostas em relação com o mundo. O ponto de foco: as mulheres e algo que possa ser chamado de felicidade.

Buster Keaton, com seu personagem de cara fria, sempre aparece em seus filmes, mesmo sob diferentes fantasias, como um homem sem direção, despercebido do mundo, que se move de um lado para o outro, a partir da direção que o vento lhe comanda, ou melhor que as instituições que regem o mundo ao seu redor lhe condicionam: família, estudo, emprego. Um homem que, por fim, só toma rédeas de sua vida quando esta determinação lhe oferece a oportunidade de pertencer a vida de uma bela garota, geralmente alguém que já pertence a sua história, mas que até então nada ele podia fazer para se aproximar devido a alguma condição. Assim, desta forma, indo contra tudo e contra todos, Buster executa as tarefas mais inimagináveis para conquistar seu coração. Faz tudo, sem muito pensar, que um homem normal nem cogitaria, e faz tudo motivado pelo seu desejo, se abstraindo completamente de tudo que não seja ele. E no fim, Buster sempre alcança resultados, é aceito pela garota, e assim com ela, e com sua face ainda imóvel, move-se no mundo das instituições que o determinam.


Charles Chaplin, com seu vagabundo, que teme, luta, se alegra, fica nervoso, também sempre aparece em seus filmes sem nenhuma direção, movendo-se de um lado para outro, a partir da direção que o vento lhe comanda, porém um vento que é uma negação a todas as instituições, que é uma própria incapacidade de a elas pertencer. É um vagabundo que tenta sobreviver neste mundo que não lhe aceita, e que só se interessa a ele tentar pertencer, quando é tomado pela visão de uma bela garota, alguém tão perdido quanto ele, a quem com isso ele se esforça para dar uma vida mais aceitável. Assim, ele tenta fazer o que é esperado de um homem incluso na sociedade: luta, trabalha, pede por instituições; faz o máximo para dar a garota o que este mundo disse a ela que ela deveria ter. E no fim, ele o faz, mesmo sofrendo muito para isso, sendo perseguido, pisado, preso, e sentido tudo isso na carne, sem fugas. Ele dá tudo o que consegue imaginar para a garota, e ela com isso vê que este algo mais que ela quer não é ele. Porém, a garota o aceita pelo seu esforço, mas como ele quer dar a ela tudo que ela quer, ele a deixa a ir, e fica onde começou, como sempre, sozinho.

Apresentada a situação de ambos os personagens, vejamos então sua verdadeira face. Tanto Buster, como Charles, vivem num mundo miserável, que nada de bom tem a lhes oferecer, senão controle. Este é seu mundo originário: solidão e sofrimento. E ambos querem algo mais, querem criar um mundo de felicidade, um mundo derivado que não sabem realmente como chegar. A resposta geralmente é a garota. Seu desejo por ela é a pulsão que os fará criar as ações para esse mundo. E, assim, são estas ações, ou melhor a relação desses personagens com essas ações, o elemento que tanto os difere, tanto lhes oferece resultados opostos.

Buster sabe que vive num mundo miserável, sua face é séria, fria, porque ele sabe que nada a isso alterará. Quando a garota aparece, vem a esperança de um mundo melhor, vem a pulsão que o fará lutar para tê-la ao seu lado. Porém, ele sabe a verdade, ele sabe que esta não é a verdadeira resposta, e que no fim ele acabará no mesmo lugar em que se encontrava no início. Começando pela garota. Ela nunca o quer por ele, sempre há uma necessidade de uma prova, como se tudo não passasse de mais uma tarefa num mundo de instituições. Pois é exatamente isso que é, e no final, ele sabe que a garota só fica com ele, não por ele, mas pelo o que ele fez por ela. Buster sabe que toda a sua luta será unicamente para alcançar posições na sociedade. Posições que lhe oferecerão um pouco mais de conforto, que deixarão sua vida miserável um pouco mais aceitável. Ter uma garota ao seu lado, é só mais um fator que lhe foi condicionado pelas instituições, um fator que o move pela necessidade de lutar por alguma coisa, pois seu próprio condicionamento lhe impôs a depositar sua esperança nele. Sua face sempre se manterá inalterada, porque mesmo com toda a esperança de se alcançar um mundo melhor, ele sabe que no fim só alcançará uma melhor adequação no mundo que já tem. Ele nunca terá o que realmente quer, e o que realmente faria sua face mudar: alguém que faria o mesmo por ele.


Charles também sabe que vive num mundo miserável, porém fortemente acredita na existência de um mundo melhor e não deixa sua condição presente abater suas convicções. Quando a garota aparece em sua vida, o que ele faz não é tentar alcançar esse mundo, mas sim, prová-lo a ela. Ele tenta lhe oferecer tudo para que a mesma esperança nasça em seu ser. Todo o seu esforço de luta é para ela e por ela, pois assim espera que quando ambos tiverem a mesma visão, tudo será mais fácil. No fim, ele consegue, lhe dá toda a esperança que necessita, e a garota vê esse mundo melhor, o vê muito bem, mas o vê nos braços de outro. Ele a ama e ela sente pena dele, sente por sua esperança, mas nada dele quer. Ele acaba sozinho, com seu sorriso idiota, por um mundo que nunca virá. De certa forma, são suas convicções que o destroem, pois em vez de tentar se sustentar sobre elas, ele busca se sustentar com mais alguém. Assim, em vez de tentar alcançar o máximo com o que tem, ele o faz para oferecer o máximo a alguém que não faria o mesmo por ele, por fim oferecendo um máximo, sem ser um máximo, obviamente fracassando.

Buster vê seu mundo miserável e sabe que nunca vai sair dele, no máximo usa a esperança de um mundo de felicidade, para temporariamente lhe motivar. Charles vive em seu mundo miserável, mas só tem olhos para o de felicidade, age como se já estivesse nele, mesmo estando enterrado num lamaçal. Todo o significado de seus filmes se resume a suas faces, toda a verdade se revela em seus close-ups. Em A General, Buster executa as tarefas mais difíceis, literalmente chegando a parar um trem com os seus próprios pés, e tudo com uma face seca, pois mesmo estando completamente embebido pelo alcançar de um mundo feliz, onde tudo isso vale a pena, pois lhe dará a garota, também sabe que nada disso alterará sua condição de sempre estar a beira do abismo. Por sua vez, em Busca do Ouro, Charles se perde completamente em seu mundo alegre, mais por um puro desespero e sem nenhum objetivo, como quando brinca fazendo uma dança com os pedaços de pão sobre a mesa, enquanto a garota que deseja se inclina cada vez mais para os braços de brutamontes retardado. Ele voa enquanto enfiam sua cara na lama. A verdade sempre se revela no fim, como em Amores de Estudante, em que Buster, após conseguir a garota, se casa e imagens de sua vida se sucedem, mostrando um casal de vida pacata, depois melancólica, e por fim o cemitério. O que nada se compara com uma das cenas mais melancólicas da história do cinema, o fim de Luzes da Cidade, em que Charles após ser livre da prisão, vai de encontro a garota que graças a ele, não só pode agora enxergar, pois antes era cega, como tem uma vida boa. Durante todo o filme ele se fingiu de milionário tentando passá-la a idéia de um mundo de felicidades possível, e agora, graças a todo seu sofrimento e luta, ela o tem, tem um mundo bom e isso é tudo que vê. Então, Charles aparece, ela nunca tendo o visto antes, só vê mais um mendigo engraçado, por quem pode ter pena, vai até ele, e lá ele se revela, fechando o filme com dois close-ups, um da cara da garota com uma face de espanto ao ter todo seu mundo despedaçado, descobrindo que seu homem dos sonhos é aquilo que está agora na frente dela, seguido da face de Charles, com um sorriso nervoso, esperando que de alguma forma tudo de certo, mesmo vendo a verdade.

Curiosamente, em suas vidas particulares, Buster e Charles alcançaram resultados opostos. Buster Keaton, após sua fase áurea, acabou tendo sua vida e criatividade subjugada pelas instituições, virou um funcionário da MGM e lentamente foi levado ao esquecimento. Isso enquanto se afundava em vícios e relações sem futuro. Sua primeira mulher levou-lhe todo seu dinheiro e os filhos. Sua segunda, como ele, estava tão bebada que nem lembrava do casamento. Por sorte, ele foi salvo pela terceira, que finalmente fez por ele o que ele não tinha mais condições de fazer por ninguém. Charles Chaplin, por sua vez, seguiu sua vida quase como uma agente fora do sistema, porém com sucesso, se tornou um dos homens mais conhecidos do mundo, sempre teve total controle do seu dinheiro e trabalho, fez o que queria, quando queria. Suas relações com mulheres podem não ter sido duradouras, mas acabaram bem, em amizades duradouras. Pelo menos, com as que não eram psicóticas. E no final, ele não precisou ser salvo por ninguém, ele o fez por si próprio.

Nenhum comentário: