Seguindo a Rua


À minha frente, então, se encontrava mais um grande salão. Um extenso salão repleto de milhares de cadeiras de concreto, fincadas no chão, organizadas em fileiras, viradas todas para uma mesma direção, oposta ao portão, para um distante e alto palanque de madeira. O teto afastava-se por uma distância incalculável e deste só se viam as chamas de um fogo ardente. Grossas pilastras quadradas cortavam o salão esporadicamente. E, assim, na frente de uma, após forçar minha passagem pela multidão, encontrei uma cadeira livre e me sentei, pois me parecia o mais propício a ser feito. Ali sentado, rodeado de olhares distantes, mais uma vez, não sabia o que fazer. Ficaria parado a observar os arredores, ou sairia em seu encalço? Com a primeira opção, poderia garantir que se por minha área de observação ela passasse, eu poderia avistá-la e rapidamente alcançá-la. Mas se por ali ela não passasse, de nada isso adiantaria. Especialmente, se fosse o caso de ela já ter encontrado um lugar para sentar. Com a segunda opção, poderia sair a procurá-la, tendo a possibilidade de cruzar com ela pelo caminho, caso ela estivesse a andar, ou caso também ela já estivesse sentada. Mas, também havia a possibilidade, caso ela estivesse andando, de que quando por um lugar eu estivesse passando, ela estivesse fazendo o mesmo por outro, por um ao qual eu ainda iria passar, ou ao qual eu já teria passado. Havendo, assim, grandes chances de nunca nos encontrarmos no mesmo lugar. Logo, por haver maior probabilidade de encontro, me decidi pela segunda. Levantei. Porém, antes de começar minha perseguição, achei melhor de alguma forma marcar aquela cadeira em que estava, caso a esta eu precisasse voltar. Assim, deixei minha mochila sobre esta. Mochila a qual acabara de notar que trazia em minhas costas e que estava vazia por nada eu ter a carregar senão aquela própria mochila vazia.


Saí, então, entre a multidão, em minha perseguição. Andando; olhando para os lados, atento a cada movimento, a cada cor diferente, a cada sinal de vida; mantendo fixos olhos de caçador, apesar de em si, me sentir realmente como a caça, que corre desesperada para manter-se viva; dobrando-me de todas as formas concebíveis entre as massas que em diferentes áreas se amontoavam fechando meu caminho; pulando por cadeiras, cruzando milhares e milhares de fileiras, me espreitando por detrás de pilastras, deixando-me ser levado pelas correntes de movimento que à diferentes direções me jogavam, voltando ao mesmo lugar várias vezes, parando, girando e às vezes em tédio, dançando. Séculos se passaram e nada encontrei. Desisti, não de definitivamente encontrar, mas de naquele momento em específico fazê-lo. Pois, sabia que eventualmente todos estariam sentados, o que quer que ali fosse começar no palanque à frente, acabaria com o vai e vem da multidão e, assim, nessa quietude, eu poderia calmamente rastrear cada uma das fileiras ao meu redor pelo brilho de vida que ali havia me levado. Logo, segui de volta no caminho da minha cadeira e depois de muito andar, já com mais facilidade por saber minha direção, a encontrei. E nesta, encontrei a linda garota sentada sobre a minha mochila.

Fui até ela e me pus em frente da cadeira. Ela olhou para mim e neste instante, com seus olhos de mel se encontrando com os meus de vazio, metade de minha mente superaqueceu e morreu, sendo reavivada depois a grandes custos pela outra parte.

- Oi – disse instantaneamente com ar de indiferença. – Essa é minha cadeira! – exclamei apontando.

E sim, ainda não sou uma criança de quatro anos, mas eu sou o narrador e não aquele bastardo que estava abrindo sua boca e produzindo palavras naquele momento. Eu posso algumas vezes subjugá-lo aos meus desejos, mas nem sempre e nem com muita facilidade. Assim, lá se foi o baralho às traças.

- É dono desta cadeira que encontrei vazia no mar da incerteza? – perguntou com uma sublime voz e com absoluta tranqüilidade.

- Não, mas nela deixei essa mochila – disse apontando para mochila, na qual ela estava sentada.

- É dono desta mochila que nada carrega por nada ser necessário carregar? – perguntou, continuando a olhar-me fixamente. Seus olhos brilhavam, mas brilhando por brilhar e não pelo que estavam a observar.

- Não, mas encontrei-a em minhas costas e usei-a para marcar essa cadeira.

- É dono de alguma coisa?

- Não, não sou – disse sem mais argumento.

- Sim, o é. É dono de seus olhos! – exclamou com autoridade. – E neles vejo agora tudo aquilo que se esconde.

- O que em meus olhos vê?

- Desejo – disse com um lindo sorriso. – Essa parece ser a única chama que os acende, que os é capaz de acender, apesar de ser uma chama muito bem disfarçada, que se fantasia de vazio. Um vazio que grita suplicante, que nunca parece saber o que fazer e que acaba por decidir-se por se comportar como a água. Afogando, assim, o desejo e só revelando deste uma mera imagem embaçada, esta que luta para se fazer vista, só o conseguindo após uma intensa luta que traga todas as suas forças e a faz desesperada. Mas, a pergunta que se faz necessária é: deseja o quê?

- Não sei. Já desejei muito e tudo que alcancei, um segundo depois deixei de desejar, por, então, descobrir ser uma mentira, que não servia em nada em ser desejada. Desejei o que me disseram desejar, desejando aquilo que aqueles, que me disseram, acreditavam ser a verdade, apesar de ser realmente só uma prolongada falsidade. Tão falsa que sua origem já havia sido esquecida. Assim, depois de muito desapontamento, muitas corridas sem chegadas, finalmente entendi o que deveria entender e desejei saber o que realmente poderia ser desejado de verdade. Parei tudo e a essa resposta fui em busca.

- Encontrou-a?

- Sim, desejo o verdadeiro. Mas só isso sei e nada mais. Pois não o alcanço, posso desejá-lo, mas não sei como é e nem posso sabê-lo da onde estou. Só realmente o poderei, após tê-lo encontrado e após por ele ter sido aceito.

- Você o encontra aqui?

- Não sei – respondi, por só isso me atrever a responder. Naquele momento não podia dizer que tinha encontrado o verdadeiro, não sabia o suficiente para fazê-lo. Mas sabia que tinha encontrado o certo. Pois, como há muito tinha identificado, cada ser transmite vibrações, com cada movimento, com cada palavra e com cada olhar. Tudo em conjunto transmitindo o que a pessoa é, ou que se apresenta sendo, ou que deseja ser, ou que se recusa a ser. E essas são vibrações perigosas que no cotidiano devem ser bloqueadas a todo custo, já que qualquer uma pega a esmo de um mar infestado de monstros, pode derrubar a mais forte das criaturas. Porém, quando se vê um reluzente brilho, já que nenhum bloqueio pode realmente chegar a escondê-lo, há de se liberar para que todas as vibrações deste possam passar. E, o que é deste recebido, leva a um estado de puro êxtase exagerado, que faz correr pela floresta com flores. Assim, em seus olhos eu vi o certo e por ele encantei-me completamente. Um certo que até o último momento não me desapontou, apesar de eu ter constantemente implorado para que o fizesse.

- Talvez devêssemos dançar! – exclamou levantando e segurando minhas mãos. – Deixaremos a mochila para marcar a cadeira – disse se pondo comigo à dança.

- Há tanto que eu quero saber – disse, com meu rosto perto do seu, já com meus braços ao redor dela, deslizando pela multidão sem obstáculos.

- Há tanto que quer que eu queira saber.

- Saberá?

- Não, só saberei o que sempre quis saber e nada mais! Do mesmo jeito que danço, porque deve se dançar e eu o sei, e eu o faço. Você também deveria sabê-lo! Você o sabe, não?

- Sim, o sei, mas não o faço.

- Por que não? É tão fácil!

- Porque tudo sempre para mim foi difícil e sempre um esforço foi necessário.

- Precisa ser conduzido?

- Sim, provavelmente sim – respondi, sabendo a resposta ser não. Não preciso ser conduzido, sempre soube como dançar. Preciso, sim, de uma força para meu esforço e essa sei muito bem como eu mesmo posso gerar, pois sempre a estudei profundamente por toda minha vida consciente. Porém, mesmo assim, nunca pude, nunca tive coragem de fazer de fato à teoria. Logo, naquele momento, não era movido por minha própria força, mas por aquela que encontrava à minha frente, aquela que já naturalmente jorrava dos olhos dela. Jorrando por jorrar e não por ter sido inflamada por uma fonte externa que estivesse à sua frente.

- Mente! E é tão óbvio! Faz como se perdido cada passo da dança, mesmo os sabendo perfeitamente. Fantasia-se de vazio, mesmo não o sendo. Por quê? Por quê, eu pergunto.

- Por quê? Porque apesar de só com a dança se começar, raramente começo por ter medo de não dela passar. Não faço isso constantemente. Faço-o a cada cinco milênios.

- Deveria dançar mais! Só passará da dança, após muitas danças. E mesmo assim, engana-se se pensa que estamos realmente dançando. Damos alguns singelos passos e nada mais. Há tantos níveis de dança que este não é nada.

- Sim, eu sei – e sabia, pois antes, há dezenas de milênios, quando desejava sem realmente saber o porquê, ou o que realmente desejar, antes de descobrir que devia desejar o verdadeiro, dancei. Não dei só singelos passos, dancei uma completa dança. Conduzi e fui conduzido. Cheguei até a me debruçar para o que vinha depois da dança. Mas, não o fiz. Não sabia, não sabia nada e perdi tudo. Quando um nada eu era, tive um caminho livre para o tudo. E agora, quando um tudo eu tento me fazer, só o nada se apresenta. Horrível piada! Terrível piada!

- Nossos singelos passos estão no final – disse parando e se encostando em uma das pilastras, ainda segurando minha mão.

- Sim, eu sei – disse me encostando ao lado dela. – Mas não quer avançar na dança comigo?

- Não, não… – respondeu soltando minha mão. – …tenho muito a fazer para perder meu tempo tentando despi-lo de sua fantasia. Meu caminho não tem espaço para tais obstáculos! Nossos caminhos só podem se cruzar, quando o seu não tiver mais impedimentos. E até lá, outras diferentes oportunidades, já haverão de ter se apresentado.

- Então, nós nos separamos agora?

- Sim – disse voltando para cadeira. – Pegue sua mochila vazia – disse jogando-a para mim. – Você não tem a mínima razão para estar aqui, volte para rua e continue a andar! – exclamou e sentou na cadeira, virando para frente e não me dando mais atenção.

Ali acabou, pelo menos deveria ter acabado, se eu fosse mais consciente. Pois, apesar de que eu tenha primeiro seguido o seu conselho, dirigindo-me até o elevador para ir embora, quando, na frente deste fiquei, esperando que sua porta se abrisse, um gigantesco “não” começou a pairar em minha mente, me mandando voltar e tentar, tentar o máximo que podia ser tentado, tudo que eu pudesse tentar. Naquele momento, não havia mais controle e eu não podia me ver desistindo daquilo que eu nem realmente tinha alcançado. Logo, voltei. Voltei e pela frente de sua cadeira passei.

- Voltei – disse a ela.

Continua!

Parte integrante do livro Um Grito no Vazio para o Nada!

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