O Velho e a Pequena Garota



Um velho está sentado numa pedra no meio do nada, olhando para o nada. Uma pequena garota aparece, vinda de lugar algum para lugar nenhum e vai até o velho. Ela o olha e assim pergunta-o.

- O que você está fazendo? – diz ela despertando pela primeira vez a atenção do velho, que até então não a notara.

- Penso, penso no sentido de tudo aquilo que não faz sentido e quanto tudo isso não faria nenhum sentido se tivesse algum sentido – responde o velho olhando para a garota, analisando-a.

- Isso não faz nenhum sentido – diz a garota.

- Sua afirmação faz muito sentido – diz o velho voltando a olhar para o nada.

- O que olhas? – pergunta a garota.

- O nada. Há muito a se ver no nada. Olhe – diz o velho apontando para o nada.



A garota olha na direção que ele apontou.

- Nada vejo – diz a garota.

- Sim, nada se vê. Essa é a verdade absoluta – diz o velho continuando a olhar para o nada.

- Estou entediada – diz a garota.

O velho com um rápido movimento volta a apontar para o nada. A garota de novo olha para direção apontada. O velho continuando a apontar para o nada, começa aos poucos a mover seu dedo em outra direção, a da garota, que o olha fixamente. O velho, então, pára o dedo apontando para o nariz da garota. A ponta de seu dedo a toca. A garota continua a olhá-lo.

- De onde você veio? – pergunta o velho.

- Lugar algum – responde a garota.

- Para onde você vai?

- Lugar nenhum – responde a garota, agora segurando o dedo do velho, que continua tocando seu nariz.

- Onde você está?

- Quem sabe? – retruca a garota, levantando a outra mão, tentando alcançar com o dedo o nariz do velho, sem realmente consegui-lo.

- Já estive em lugar algum, também em lugar nenhum, mas não tenho a mínima idéia onde estou – responde o velho, segurando o nariz da garota, puxando-o mais para perto para que a garota possa alcançar com o dedo o seu nariz.

- Eu odeio lugar algum! – exclama a garota, finalmente alcançando o nariz do velho. Ele que já soltara o nariz dela e voltara a só tocá-lo com a ponta do dedo.

- Lugar algum é extremamente alegre até o momento que você descobre onde está, assim se torna extremamente tedioso. Você acaba tendo que rumar para lugar nenhum.

- Verdade – responde a garota, empurrando o velho para trás com o dedo sobre seu nariz.

- Mas lugar nenhum pode ser pior.

- Não! – exclama a garota estarrecida.

- Sim, muito pior – reafirma o velho segurando o dedo da garota, impedindo o constante empurrão.

- Não! Não! Não!

- Sim, mas tudo depende de como você age. Quem sabe para você pode ser melhor!

- Por que é tão difícil?

- Porque ninguém ainda encontrou o caminho para lugar melhor. Se é que existe!

- Mas tem de existir!

- Assim, eu espero também. Talvez aqui – diz o velho, subindo seu dedo para a testa da garota.

- Ou talvez aqui – diz a garota descendo seu dedo até o queixo do velho.

- Talvez.

- Sim, talvez. O que devo fazer em lugar nenhum? – pergunta a garota.

- Você devia saber! – exclama o velho voltando com o seu dedo para o nariz da garota e empurrando o dela de volta para seu nariz.

- Mas não sei.

- Por onde posso começar? Sim, sim. Primeiro você tem de aprender o máximo possível. Mas preste atenção, todos que quererão te ensinar, só te ensinarão o que você não precisa saber. Aqueles que não nomearei, só querem lhe ensinar tudo aquilo que melhor lhes permitir controlá-la. Deves repugná-los o máximo possível!

- Mas você quer me ensinar coisas. Devo repugná-lo? – pergunta a garota, interrompendo o velho.

- Primeiro, foi você que perguntou. Segundo, não estamos em lugar nenhum. Logo, não posso agir como aqueles que estão lá. Não sabemos onde estamos e só podemos agir como aqueles que não o sabem. Então, posso continuar?

- Tarde demais, já estou a repugná-lo.

- E eu também a você.

Nesse instante, cada um solta o dedo do outro, e com os dedos tocando seus narizes começam a fazer um movimento giratório. Isso se dá por alguns minutos, até que finalmente param, voltando a tocar um o nariz do outro, começam a se empurrar dessa maneira, mas logo com a outra mão seguram um o dedo do outro.

- Posso continuar? – pergunta o velho.

- Não – responde a garota.

- Mesmo assim continuarei. Outro fator extremamente importante em lugar nenhum é que não deves confiar em ninguém.

- Não devo confiar em você?

- Pare! – exclama o velho meio irritado.

- Devo confiar em mim? – pergunta a garota.

- Provavelmente não. Eu não o faria!

Em resposta a garota começa a pressionar com mais força o nariz do velho.

- Por que não? – pergunta a garota.

- Se você não sabe se deve confiar em si própria, como devo eu confiar em você?

- É que, às vezes, eu me sinto como se fosse só uma espectadora, sem poder controlar minhas ações, só julgá-las à distância. Sou duas.

- E? – pergunta o velho segurando com mais força o dedo da garota que o empurrava.

- E o quê?

- Sou sete. Quatro provavelmente planejam me matar. Os outros três riem de mim constantemente. Mas, mesmo assim, confio em todos – diz o velho pegando o dedo da garota e mordendo-o.

- Ah! Por que fez isso?

- Um dos sete estava entediado. Não posso controlá-lo.

- Ó, a minha outra também está entediada. Não posso controlá-la – diz a garota mordendo o dedo do velho.

Após um momento, voltam a só tocar um o nariz do outro.

- Confias em mim? – perguntam ambos simultaneamente.

- Sim – respondem ambos entre si.

- O que mais preciso saber sobre lugar nenhum? – pergunta a garota.

- Só que deves se acostumar a ficar entediada por longos períodos de tempo.

- Ah, que tédio! O que vamos fazer agora?

- Descreva-se.

- Por quê, és cego?

- Não sei. Acredito que não. Na verdade nunca conheci alguém que não me parecesse cego. Logo, não sei se este é o estado normal das pessoas, ou se só os vejo assim.

- Mas eu te vejo!

- Sim, estamos conversando. Logo, você me vê. Não és cega, se fosse teria passado direto. Mas eu não a vi, então, sou cego!

- Talvez não, talvez só estejas mal acostumado. Nunca és visto?

- Não nunca. E você o és?

- Não sei, você não me viu.

- Não, mas como você disse, estava cego por não ser visto. Se você vê, então pode ser vista, não é?

- Espero – diz olhando-o desolada. – Mudemos de assunto. Quer saber como sou?

- Sim, quero saber cada detalhe de quem foi capaz de me ver. Espero por isso há muito tempo.

- Assim descreverei-me. Tenho cabelos que cobrem à minha cabeça. Tenho dois olhos, que vêem aquele que não era visto. Tenho uma boca que conversa com aquele com quem ninguém conversava. E, é claro, tenho um nariz e na ponta deste tenho um dedo, ligado a uma mão, ligada por sua vez a um braço, ligado enfim a alguém que quero ver e com quem quero conversar. Agora é a sua vez.

- Sim, é claro. Tenho também cabelos que cobrem à minha cabeça. Tenho dois olhos, que até agora, só viam todos que não os viam e nenhum que os queria ver. Tenho uma boca, que queria falar, mas se manteve calada até alguém começar a falar com ela. E finalmente, tenho um nariz e na ponta deste tenho um dedo, ligado a uma mão, ligado por sua vez a um braço, ligado enfim a alguém que me viu e falou comigo.

- Agora sabemos como somos. Há, então, mais algo a se saber?

- Não. Não há nada mais a se saber, só tudo aquilo que não precisa ser desconhecido! – exclama o velho. – Mas isso não precisas de mim para descobrir – diz soltando o dedo da garota, que toca seu nariz.

- Devemos, então, nos separar? – pergunta a garota, afastando seu dedo do nariz dele, sem saber o que fazer.

- Sim. Tens de continuar seu caminho para lugar nenhum. É inevitável! – exclama afastando, por sua vez, seu dedo do nariz dela.

- Não sei se quero continuar, prefiro não saber onde estou! – exclama voltando a aproximar seu dedo do nariz dele.

- Mas não podes, sua preferência nunca esteve em jogo, não há uma opção – diz pegando o dedo dela e o afastando de seu nariz. – Para ter total certeza que não se sabe onde se está, deve-se primeiro rumar para lugar nenhum e lá por um tempo ficar. Só assim pode-se entender por completo que não se pode saber onde se está.

- Você vai esperar por mim? – pergunta tristemente colocando seu dedo sobre seu próprio nariz.

- Não, não posso. Agora que fui visto não posso mais não saber onde estou, tenho que continuar meu caminho.

- Mas para onde?
- Lugar melhor – responde colocando seu dedo sobre seu queixo.

- Mas você disse que… – pára, entendendo, enfim, as palavras dele. – Sim, compreendo-o. Devo seguir, então.

- Sim, deves.

- Até nunca – diz a garota, triste, levantando seu dedo para o velho, tentando uma última vez tocá-lo.

- Até sempre – diz o velho, que levanta seu dedo em encontro do dedo dela.

Seus dedos se tocam e logo se desencontram. A garota segue por seu caminho, o velho a observa indo embora. Num último momento, no entanto, ela querendo vê-lo por uma última vez, pára e olha para trás. E, assim, nada vê, já que não há nada a ser visto.

Parte integrante do livro Um Grito no Vazio para o Nada!

Mais detalhes sobre o livro aqui!

3 comentários:

Anônimo disse...

Véi du céu, vou ter que ler esse texto mais uma 20 vezes até entender ! Mas tá muito show de bola^^, muito show mesmo^^
Voltarei aki mais vezes, preciso de ler mais bons textos como esse, muito bem escrito!
Abração!

Anônimo disse...

é exatamente isso.
rs
bjo.

Andressa Serena disse...

Tinha uma velha frase do Sêneca (uma das minhas favoritas!) que dizia: "Nenhum vento sopra a favor de quem não sabe para onde ir."
Quem se encontra em lugar nenhum talvez ainda não esteja pronto para conhecer um lugar melhor, mas acho que trata-se também de uma escolha, não? Ficar perambulando eternamente sem saber ao certo onde vai parar deve ser algo que causa muito medo... Ou será que estamos SÓ 'vivendo'?